Por Folha de São Paulo, 02 de Novembro de 2008
Estudo acompanhou mais de 15 mil nascimentos entre 1982 e 2004 e registrou também aumento do número de bebês prematuros, que foi de 6,3% para 14,7%
O índice de cesarianas é bem maior entre as mulheres atendidas nos hospitais privados (82,4%) do que no serviço público (34,1%)
FLÁVIA MANTOVANIDA, REPORTAGEM LOCAL
Em pouco mais de duas décadas, passou de 27,7% para 45,2% o índice de cesarianas. E o número de partos induzidos (apressados com remédios) subiu de 2,5% para 11,1%. Os resultados são de uma pesquisa brasileira que acompanhou mais de 15 mil nascimentos entre 1982 e 2004.
Trata-se de um dos maiores estudos epidemiológicos do país, que acompanhou, em 1982, em 1993 e em 2004, todos os nascimentos da zona urbana de Pelotas (RS). Foram 4.287 bebês em 2004. As crianças continuam sendo estudadas ao longo da vida. Esse e outros dados sobre saúde materno-infantil coletados na pesquisa foram publicados numa edição especial dos "Cadernos de Saúde Pública", da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Para Aluísio Barros, professor do departamento de medicina social da Universidade Federal de Pelotas e um dos coordenadores da coorte (grupo de nascimentos acompanhado) de 2004, o aumento nas cesarianas é preocupante porque tem a ver com uma maior opção pelo método por parte dos médicos ou das mães, muitas vezes desnecessariamente. "Escolhe-se a cesárea porque é mais prática, dá para marcar dia e hora, escolher o signo da criança. O obstetra consegue se programar. E há quem perceba a cesárea como algo mais seguro por envolver tecnologia, o que é falso. Sabe-se que [o aumento no número de cesáreas] acontece no país inteiro, e vem aumentando ano a ano", diz. O índice é bem maior no serviço privado (82,4%) do que no público (34,1%).
Ele afirma que, apesar de o estudo ser feito só em Pelotas, os dados podem ser extrapolados para outros lugares do Brasil. "Pelos indicadores do censo, Pelotas se comporta de uma maneira muito parecida com a média nacional. As tendências que se observam aqui se refletem no país."Segundo Marcos Ymayo, ginecologista e obstetra do Hospital Santa Marcelina, há indicações médicas para a cesárea, como quando o bebê está sentado ou não passa pela estrutura óssea da mulher. Mas ele diz que o procedimento não deve ser banalizado, pois aumenta o risco, por exemplo, de hemorragia, infecção e de complicações no pós-operatório em relação ao parto normal.
Ele conta que um demógrafo americano que pesquisou o fenômeno em capitais brasileiras mostrou que as mulheres acabam optando pela cesárea porque são culturalmente induzidas. "A vizinha, a irmã, a atriz famosa fazem. Os hospitais têm hotelaria voltada para cesárea, os médicos optam por uma questão de comodidade da agenda. Há a famosa síndrome da "cesárea do fim de semana", quando o médico marca as cesarianas para quinta para ficar livre no sábado e no domingo", diz. Ymayo lembra ainda que é mais vantajoso financeiramente para o médico fazer cesarianas, o que leva muitos a optarem pela cirurgia.PrematuridadeOutro dado encontrado pelos pesquisadores -o aumento no número de crianças prematuras, de 6,3% em 1982 para 14,7% em 2004- pode ter uma relação com o maior índice de cesáreas e partos induzidos.
Ao realizarem cesarianas antes de a mulher entrar em trabalho de parto, muitas vezes os médicos acabam tirando o bebê antes de ele completar 37 semanas, limite até o qual ele é considerado prematuro. "Não é só culpa da cesárea, mas é uma hipótese. Muitas vezes o obstetra estima a idade gestacional pelo ultra-som, mas o exame tem um índice de erro relativamente grande, e a criança pode nascer antes", diz Barros.
Ele diz que nota uma medicalização geral do parto, que pode ajudar a explicar o aumento. "Nossa sensação é que o obstetra confia muito na UTI neonatal cheia de tecnologia e, se a criança tem qualquer problema, prefere interromper a gravidez e fazê-la nascer a monitorá-la dentro da barriga", afirma. (Colaborou RACHEL BOTELHO, da Reportagem Local)
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