segunda-feira, 17 de maio de 2010

Parto traumático e direito a acompanhante no parto

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Parto traumático gera estresse prolongado
Publicado em 16.05.2010

Pesquisadores da UFPE realizam estudo inédito na área e alertam para problema que pode ser gerado pela má assistência no hospital

Veronica Almeida
valmeida@jc.com.br

Maria tem 20 anos. Pariu o primeiro filho há um mês, num hospital público do Sertão de Pernambuco. Descreve o nascimento da desejada criança, fruto do seu casamento por amor, como uma sessão de horror e tortura. Com nove meses de gestação completos, sente as primeiras dores pela manhã. Procura a maternidade e, mesmo sem examiná-la, a médica a manda de volta para casa. As dores aumentam e ela retorna ao mesmo serviço. À noitinha a obstetra a examina e diz que a transferência para outra maternidade é inevitável porque não há vagas no serviço. A jovem mãe insiste, teme ficar longe da família e perder o filho. É alojada numa enfermaria-geral.

Quando o corpo começa a expulsar a criança, a gestante desce sozinha da maca e anda todo o corredor, sem qualquer apoio, até a sala de parto. No nascimento propriamente, é culpabilizada por não ajudar, sente os cortes para a passagem do bebê e, no fim, mais uma vez é tratada com indiferença. “Me mandaram descer sozinha da mesa”, conta, lembrando os momentos finais em que novamente se sentiu abandonada, ignorada e agredida. Foram horas pensando que poderia morrer ou ver a criança nascer morta. “Nunca mais quero ter filho”, sentencia, visivelmente traumatizada com o horror do parto, anormal para a expectativa de quem estava descobrindo a maternidade. Maria não quer ser identificada, teme ser vítima no futuro, pois é dependente do único serviço de saúde da cidade.

A história acima repete-se em relatos colhidos na porta de hospitais e nos acolhimentos feitos por entidades feministas e de direito reprodutivo. É um exemplo de como um dos momentos mais importantes na vida da mulher pode se transformar em sofrimento psíquico de repercussões que a ciência só recentemente vem estudando.

Psiquiatras do Programa de Saúde Mental da Mulher da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) alertam para a incidência do parto traumático e outra complicação posterior, o transtorno do estresse pós-traumático, que interfere na vida conjugal e reprodutiva da mulher, como também na relação mãe-bebê. Eles vão iniciar no segundo semestre deste ano uma pesquisa que visa avaliar a incidência do problema em mulheres que deram à luz no Recife.

Em 2008, ao estudar depressão pós-parto e transtornos de ansiedade, o programa detectou uma proporção significativa de mulheres vítimas do parto traumático e 5% delas já apresentavam o transtorno do estresse pós-traumático, segundo o psiquiatra Amaury Cantilino, doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento. Ele coordena o Programa de Saúde Mental da Mulher da UFPE, que também faz atendimento ambulatorial, às sextas-feiras pela manhã (telefone 81-2126-3692), recebendo mulheres encaminhadas por obstetras e pediatras.

O grupo de estudiosos, formado também pelos psiquiatras Carla Zambaldi e Everton Sougey, publicou no ano passado artigo em revista científica brasileira sobre o assunto. Seria a primeira publicação local a respeito do tema e trata-se de revisão da literatura mundial, cujo artigo inicial é de 1998. As descobertas recentes sobre o impacto do problema sugerem que a próxima classificação em psiquiatria considere o transtorno do estresse pós-traumático relacionado especificamente ao parto.

“De 21% a 34% das mulheres podem experimentar o parto traumático”, explica Amaury Cantilino. Segundo ele, o trauma ocorre durante o trabalho de parto ou no momento do nascimento da criança que envolve real ou temida lesão física. Dor excessiva, hemorragia, morte do recém nascido, uso de fórceps, experiência humilhante, cuidado médico inadequado, transferência do bebê para uma UTI ou anomalia congênita são algumas das situações listadas que levam ao sofrimento psíquico da mãe. “Nesse evento, a mulher experimenta medo intenso, desamparo, perda de controle e horror”, esclarece.

CONSEQUÊNCIAS

As mulheres traumatizadas com o parto relatam atendimento arrogante, frio, técnico e queixam-se de não ter sido ouvidas pela equipe de saúde. “Mesmo quando um parto é considerado dentro da normalidade pela equipe de saúde, pode ser traumático para a parturiente”, acrescenta o psiquiatra, dando uma noção mais ampla do problema. Experiências anteriores ao nascimento do filho também favorecem o distúrbio. Mulheres que sofreram violência sexual na infância ou fase adulta têm 12 vezes mais chances de sofrer parto traumático.

Uma fração das que desenvolvem o trauma acaba tendo o estresse pós-traumático, caracterizado por recordações aflitivas, associadas em parte dos casos a ansiedade, raiva, depressão e tensão. “A mulher revive o trauma em pensamentos e pesadelos”, explica a psiquiatra Carla Zambaldi. Para ela, é fundamental que a gestante tenha um bom acompanhamento no pré-natal para identificação de fatores individuais que previamente podem ajudar a desencadear o trauma no parto.

“O que protege as mulheres é o acesso prévio a bastante informação sobre o parto, que a deixa consciente sobre o que vai acontecer, como também o apoio que ela recebe na hora do nascimento do bebê. Daí a importância do acompanhante, que pode ser o pai da criança, a mãe da parturiente ou mesmo doulas (mulheres da comunidade que acompanham a gestante)”, avalia Carla Zambaldi. Segundo ela, cabe à equipe que assistiu a mulher no parto (obstetra e enfermeiros) observar e conversar com a mulher sobre a experiência que ela vivenciou. Ao identificar a situação traumática, a paciente deve ser encaminhada a serviço de saúde mental.

Quando a mulher desenvolve o estresse pós-traumático, apresenta sofrimento significativo e prejuízo na sua função social, familiar ou ocupacional, lembra Amaury Cantilino. O tratamento é com assistência psiquiátrica e psicológica.

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Mulheres reivindicam direito a acompanhante
Publicado em 16.05.2010

A antropóloga Júlia Morim, 30 anos, tem excelentes lembranças do nascimento da sua primeira filha. Maria, hoje com 4 anos e sete meses, nasceu em casa, acompanhada pelas avós e o pai. A conscientização de que se trata de algo natural e o ambiente harmônico que protegeu Júlia no momento das dores do parto é tudo que ela deseja a outras mães. Há quatro anos participa do movimento nacional Parto do Princípio (mulheres em rede pela maternidade ativa), que luta pela humanização da assistência às gestantes e direito ao acompanhante nas maternidades públicas e privadas.

Embora desde 2005 o Brasil estabeleça o direito à presença de um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no Sistema Único de Saúde (SUS), pela Lei 11.108, poucos serviços obedecem à legislação.

Em 2008, resoluções das Agências Nacionais de Saúde (ANS) e da Vigilância Sanitária (Anvisa) exigiram o mesmo direito na rede privada e determinaram cobertura dos planos de saúde de um acompanhante indicado pela mulher para acompanhar o parto. O problema é que parte dos serviços, quando não proíbe o acompanhante, restringe o seu tempo de permanência, cobra taxa para entrada, ou limita a escolha da parturiente.

Desde o início de março, o movimento nacional vem denunciando os constrangimentos ao Ministério Público. Em Pernambuco, denúncias estão sendo coletadas pelo Parto do Princípio pelo telefone (81) 9979-8817 e pelo e-mail julia@partodoprincipio.com.br.

“O nascimento de uma criança é um evento familiar, não se trata de um ato médico. A mulher não é um corpo que está expulsando um bebê. É uma pessoa que sente emoção, que precisa ser respeitada e ouvida”, diz Júlia, em resposta à forma como os partos são conduzidos nos serviços de saúde, em que a mulher não tem direito de escolha, é humilhada e criticada.

A dor do parto tem sido culturalmente construída nos tempos atuais como algo insuportável, fato que alimenta a opção por cesarianas. Júlia vivenciou a cirurgia na segunda gravidez, em que o filho Vicente estava sentado e o líquido amniótico era reduzido. “Não gostei da experiência. O pós-parto incomoda, falta condição física para cuidar do bebê logo depois e não vivenciamos o trabalho de parto, que é transição natural da gravidez para o nascimento do filho”, relata. Para Júlia, o parto normal assistido de forma humanizada, com direito a acompanhante, deve ser exigido pelas mulheres, já que é um dever dos gestores.

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu