Atualmente no Brasil, muitas mulheres grávidas têm sido submetidas ao que é conhecido como "desneCesárea"
O PARTO , além de ser um ato fisiológico, é também um evento familiar, pessoal e sagrado e, em mais de 80% dos casos, não deveria ser um ato médico. A cesárea, indicada em 10% a 15% dos casos, como recomenda a OMS (Organização Mundial da Saúde), é uma cirurgia de grande porte e maior risco. Sendo assim, somente deveria ser realizada no intuito de salvar a vida da mãe e/ou do bebê ou de evitar risco de dano à integridade da unidade mãe-bebê.
Os índices de cesárea no país e no mundo vêm crescendo, é verdade, na maioria das vezes por razões de conveniência do médico ou da mulher. Dessa forma, devemos aplaudir todas as tentativas de normalizar a situação e incentivar o parto normal, como aquela recentemente tomada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A iniciativa da Anvisa traz um conjunto de medidas como o direito da parturiente de escolher o acompanhante durante o trabalho de parto e o pós-parto imediato e a liberdade de escolha quanto à posição em que dará à luz, entre outras. Ainda há outras medidas de incentivo ao parto normal, como o são a construção de mais casas de parto -não só para as mulheres menos favorecidas- e a criação de mais cursos formadores de boas parteiras e enfermeiras obstetras. Quais seriam, então, as situações em que o médico tem, necessariamente, de optar pela cesárea em detrimento do parto normal? Embora em alguns casos essa decisão possa ser tomada com antecedência, ainda durante o pré-natal -como nos casos de placenta prévia centro-total-, na grande maioria das vezes ela só pode ser tomada durante o trabalho de parto, como no herpes genital ativo.
Neste ponto, é importante destacar que situações como falta de dilatação do colo uterino antes do trabalho de parto efetivo, cesárea prévia, bacia estreita, bebê grande e gestação gemelar não são razões para a realização de uma cesárea. Caso a cesárea seja de fato necessária, aí, sim -mas somente aí-, ela estaria indicada, e não da forma que vem acontecendo atualmente no Brasil, mormente no serviço privado, em que 80% a 90% das grávidas têm sido submetidas, na imensa maioria dos casos, ao que é conhecido como uma "desneCesárea". A mulher deve ser incentivada a exercer o protagonismo ativo no processo de dar à luz. A mãe, plenamente informada sobre a evolução de um parto ainda durante as consultas pré-natal, terá ampla participação durante o processo e condições de tomar decisões compartilhadas com o profissional de saúde. A palavra do médico, sua experiência cotidiana e a bagagem de conhecimento científico que carrega valem muito, evidentemente. Contudo, há toda uma exaustiva literatura científica que aponta ser a parteira a melhor profissional para acompanhar um parto normal numa gestante de baixo risco.
Ao médico caberia o atendimento dos 10% a 15% dos casos em que estaria verdadeiramente justificada a operação cesariana e dos 5% dos casos em que seriam necessárias intervenções, tais como o fórcipe e a vácuo-extração.
Humanização? Sim! Não humanização do parto, pois este já é um evento humano e nós, profissionais de saúde, não somos desumanos, mas humanização da assistência ao parto e nascimento, evitando procedimentos muitas vezes ineficazes, danosos e dolorosos.
Para finalizar, é preciso dizer que devemos melhorar também a formação dos médicos, pois estes comumente terminam o período de residência, após a faculdade, com uma visão muito distorcida de um evento natural, o parto.
JORGE FRANCISCO KUHN DOS SANTOS , 54, é professor assistente do departamento de obstetrícia da Unifesp/ EPM (Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina), plantonista do Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros, do SUS. Médico obstetra e ginecologista, acompanha partos há 33 anos.
Artigo publicado na Folha de São Paulo, em 18 de setembro de 2008, no Caderno Opinião, Sessão Tendências/Debates:
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