Mostrando postagens com marcador parto domiciliar. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador parto domiciliar. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 1 de julho de 2014

Parteiras Tradicionais

Texto, de autoria de nossa colaboradora Júlia Morim, publicado no "Pesquisa Escolar Online", da Fundação Joaquim Nabuco, sobre Parteiras Tradicionais:

Júlia Morim
Consultora Fundaj/Unesco

Mães de umbigo, curiosas, parteiras do mato ou simplesmente parteiras são mulheres detentoras de conhecimentos acerca de costumes, técnicas e saberes “da arte de botar gente no mundo”, como chamou Mário Souto Maior. Essas mulheres, que sobrevivem de outras ocupações, vivenciam a mesma realidade sociocultural das mulheres atendidas e consideram seu ofício de parteira como mais uma de suas atribuições: “pegam menino” por solidariedade ou para suprir uma necessidade da comunidade onde vivem. Portanto, é comum não cobrarem pela atividade. Dia ou noite, embaixo de sol ou de chuva, “acodem” outras mulheres que dão à luz aos seus filhos em regiões de difícil acesso ou periferias de grandes cidades.

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2010, p.15): 

estima-se que existe um número expressivo de parteiras tradicionais, principalmente das regiões Norte e Nordeste. Entretanto, não se dispõe de dados que expressem o real quantitativo das parteiras, pois existe um cadastramento insuficiente destas por parte das secretarias estaduais e municipais de saúde, visto que ainda é predominante a situação de não articulação do trabalho das parteiras tradicionais com o sistema de saúde formal.

Referências de saúde e figuras de liderança nos grupos em que atuam, exercem múltiplos papéis em suas comunidades (parteiras, agentes de saúde, mediadoras de conflitos, etc). Geralmente são mulheres mais velhas, sem formação acadêmica, mas com experiência e conhecimento acerca de técnicas, manobras e uso de ervas no ciclo de gestação, parto e pós-parto. Iniciam-se no ofício por acaso, destino ou “precisão” (por necessidade). 

A partir da primeira assistência, a mulher se faz parteira e, assim, passa a ser chamada para auxiliar outros partos. O aprendizado ocorre na prática e/ou com parteiras mais experientes. Algumas contam que a memória da experiência de seus próprios partos, observando as mulheres que lhe assistiram, foi ativada na hora em que precisaram ajudar as parturientes. Outras dizem que eram curiosas desde criança, que se escondiam embaixo da cama para ver a mãe dar à luz os irmãos ou ficavam escutando a conversa das mulheres mais velhas por trás da porta e, assim, já sabiam como agir na hora que fosse preciso. Em alguns casos, começam no ofício como auxiliares ou aprendizes de mulheres mais velhas e experientes nesse ofício. Atualmente, outro meio de adquirir conhecimento são os cursos de capacitação voltados para parteiras tradicionais promovidos pelo Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais de Saúde e/ou Organizações Não Governamentais (ONGs).
A prática do ofício das parteiras tradicionais consiste no acompanhamento da gestação, parto e pós-parto, com variações. Algumas parteiras são procuradas pela mulher durante a gestação. Outras não acompanham a gestação, apenas o parto e o pós-parto. Há casos em que apenas assistem o parto em si, ficando a responsabilidade pelos cuidados do pós-parto com os familiares da parturiente. 

Comumente, quando a mulher entra em trabalho de parto, alguém vai chamar a parteira, que, muitas vezes, antes de sair de casa pede apoio a Deus ou aos santos aos quais é devota. Essas mulheres levam consigo, quando disponível, o material para assistência ao nascimento da criança (tesoura ou kit da parteira fornecido nos cursos de capacitação). Na casa da parturiente, avaliam o bebê apalpando a barriga da mulher e a estimulam a se movimentar para “aumentar as dores” (contrações). Também são oferecidos chás e mingaus para “esquentar” e o bebê se “espertar” e achar “seu caminho”. Normalmente estão presentes familiares, vizinhas ou o futuro pai. Caso a parteira detecte algum problema e ache que o parto não deve acontecer em casa, a mulher é encaminhada ao hospital. 

Após o nascimento do bebê, algumas parteiras esperam a saída espontânea da placenta para então cortar o cordão umbilical, enquanto outras não. Geralmente, o corte do cordão é feito medindo três dedos a partir da barriga do bebê. Caso a placenta demore a ser expulsa, são utilizados chás, simpatias e orações como a de Nossa Senhora do Bom Parto ou a de Santa Margarida. Em último caso, a mulher é levada ao hospital.

Os primeiros cuidados com o bebê são prestados pela parteira, que comumente dá o primeiro banho e orientações quanto à forma de cuidar do coto umbilical do recém-nascido para que caia mais rapidamente. No pós-parto, por um determinado período de tempo, há uma série de restrições à puérpera tanto alimentares, quanto de atividades, a exemplo de não poder se abaixar, manter relações sexuais ou tomar banho com água fria. Entretanto, essas limitações vêm sendo modificadas ao longo dos anos, principalmente após as mulheres passarem a parir no ambiente hospitalar, onde os protocolos são diferentes.  Durante o período de resguardo, as parteiras dão orientações sobre alimentação, cuidados com o recém-nascido, por exemplo, e voltam à casa da puérpera para verificar seu estado de saúde e o do bebê. 

Apesar de não ser comum a cobrança do parto, por diversos fatores — a população assistida é carente; muitas parteiras acreditam que partejar é um dom divino e por isso não se deve cobrar; por não ser um trabalho oficial não esperam remuneração —, verifica-se uma troca simbólica pelo serviço prestado. A recompensa vem em forma de reconhecimento e agradecimento: são chamadas de mães ou madrinhas pelos filhos de umbigo e de comadres pelas mulheres que atendeu.

Ao longo dos anos, o número de partos atendidos por parteiras tradicionais vem diminuindo. Contribuem para esse fato, entre outras coisas, a diminuição da taxa de natalidade, o maior acesso aos serviços de saúde e a valorização do conhecimento biomédico. De acordo com o Instituto Nômades (2010, p.67),
Os saberes tradicionais relacionados à gestação, parto e puerpério, intimamente ligados ao conhecimento de ervas e à religiosidade, estão perdendo o espaço de transmissão que ocorria por meio da experiência prática e da observação durante o nascimento. Cabe destacar que muitas vezes esses saberes são de conhecimento da população em geral (a exemplo de interdições alimentares no pós-parto), principalmente das mulheres que vivenciaram a experiência de parir com a ajuda de uma parteira. Entretanto, há ainda a referência da comunidade a mulheres detentoras desses saberes e de outras “ciências”, que são as parteiras. 
Verifica-se uma mudança na forma de atuação da parteira, que passa a fazer o elo entre as mulheres e o serviço de saúde, muitas vezes acompanhando as parturientes até a maternidade. Devido à experiência acumulada, muitas parteiras enveredaram para o trabalho em hospitais, seja na função de auxiliar de enfermagem ou como parteiras hospitalares, e, mesmo aposentadas, continuam atendendo partos domiciliares e exercendo tarefas ligadas à enfermagem (aplicar injeção, fazer curativos, etc). (INSTITUTO NÔMADES, 2011). 

Recife, 23 de maio de 2014.

FONTES CONSULTADAS:

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Parto e nascimento domiciliar assistidos por parteiras tradicionais [recurso eletrônico]: o Programa Trabalhando com Parteiras Tradicionais e experiências exemplares. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2010. Disponível em:
 <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/parto_nascimento
_domiciliar_parteiras.pdf
>. Acesso em: 21 maio 2014.

FUNDAJ. Parteiras tradicionais: entre a tradição e a contemporaneidade. Relatório de pesquisa. Mimeo. Recife, 2009.

INSTITUTO NÔMADES. Inventário Saberes e Práticas das Parteiras Indígenas de Pernambuco. Relatório Final. Mimeo. Recife, 2010. v. 1.

______. Inventário Saberes e Práticas das Parteiras Tradicionais de Pernambuco. Relatório Final. Mimeo. Recife, 2011. v. 1.

SOUTO MAIOR, Mário. Como nasce um cabra da peste. 2. ed. Recife: Grumete Serviços Editoriais, 1984.

FONTE: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=1049%253Aparteiras-tradicionais&catid=50%253Aletra-p&Itemid=1

terça-feira, 11 de junho de 2013

Grupo Boa Hora realiza 7ª Roda de Pais neste sábado, 15 de junho

Neste sábado, dia 15 de junho, das 10:00 às 12:30, acontecerá a 7ª Roda de Pais do Grupo Hora, no Espaço Luminaris*. Na roda deste sábado a conversa terá como tema "O parto domiciliar na visão dos pais". Contaremos com a presença de pais que vivenciaram esta situação e irão nos brindar com seus relatos. Tod@s estão convidados para vir compartilhar suas experiências e enriquecer ainda mais essa roda!


Para quem ainda não participou da Roda de Pais, trata-se de encontros do Grupo Boa Hora que acontecem nos terceiros sábados de cada mês que são coordenados e facilitados por uma equipe de pais, ex-integrantes do Boa Hora, abordando temas relacionados ao ciclo gravídico-puerperal, à criação dos filhos, à paternidade/maternidade, a partir de uma perspectiva masculina. O objetivo principal desses encontros é promover uma paternidade mais ativa e consciente. As rodas de pais são voltadas para gestantes, casais grávidos, pais, mães e demais interessad@s.

As Rodas de Pais do Grupo Boa Hora são promovidas pelo 
Instituto Nômades e contam com o apoio do Espaço Luminaris, do Instituto Papai, do Ishtar - Espaço para Gestantes e da Rede Parto do Princípio.
 
7ª Roda de Pais do Grupo Boa Hora
O parto domiciliar na visão dos pais
Sábado, 15 de junho de 2013, das 10:00 às 12:30
*Espaço Luminaris - Rua Silveira Lobo nº 107, Poço, Recife


Mais informações: boahora@institutonomades.org.br - (81) 9973.8035 (tim) - (81) 8960.4721 (claro)

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Grupo Boa Hora realiza encontro no sábado, 18 de agosto, no Luminaris

Neste sábado, dia 18 de agosto, das 10:00 às 12:30, o Grupo Boa Hora realizará encontro no Espaço Luminaris, com o tema Parto Domiciliar. Durante o encontro, haverá a exibição do filme "Hanami - o florescer do amor" e depoimentos de famílias que vivenciaram partos domiciliares.

O Espaço
Luminaris fica no Poço da Panela, no seguinte endereço:

Rua Silveira Lobo nº 107, Poço, Recife (indo pela Avenida 17 de Agosto, no sentido cidade-subúrbio, entra na segunda rua à direita após a Escola Mater Christi, na esquina da Fisioclínica)
.
https://maps.google.com.br/maps?q=Rua+Silveira+Lobo+n%C2%BA+107,+Po%C3%A7o,+Recife&hl=pt-BR&ie=UTF8&sll=-14.239424,-53.186502&sspn=62.744865,113.291016&hnear=R.+Silveira+Lobo,+107+-+Po%C3%A7o,+Recife+-+Pernambuco,+52061-030&t=m&z=17


Mais informações:
(81) 9973.8035 (tim) / 9258.8598 (vivo)
boahora@institutonomades.org.br

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Valorização das parteiras tradicionais é mote de campanha

A partir desta quarta-feira (03), o Grupo Curumim lança campanha para promover a valorização do ofício e dos saberes das parteiras tradicionais, entre essas quilombolas e indígenas, ressaltando sua contribuição na promoção da saúde das mulheres e das crianças, bem como o reconhecimento do parto domiciliar assistido por parteiras tradicionais no Sistema Único de Saúde. A iniciativa conta com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos e parceria com o Instituto Nômades.

A campanha é composta por três VTs e spots nos quais diferentes gerações de parteiras de Pernambuco e Paraíba falam sobre o ofício. A campanha também solicita o reconhecimento dos saberes e práticas das parteiras como patrimônio imaterial brasileiro. No dia 05 de dezembro de 2011, o Instituto Nômades encaminhou ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) um inventário e uma solicitação do registro do Ofício da Parteira Tradicional como bem cultural de natureza imaterial que compõe o patrimônio cultural brasileiro, conforme instituído pelo Decreto Nº 3551/2000.

Além de buscar reconhecer os saberes acumulados por essas mulheres e valorizar o ofício, o requerimento do registro é uma demanda da sociedade civil pelo emprego do instrumento legal de salvaguarda do Governo Federal, cujo objetivo principal é propiciar condições para a continuidade da transmissão desses conhecimentos e saberes de importância para a identidade nacional. A solicitação pretende contribuir para reverter a situação de fragilidade do ofício de partejar, superando dificuldades de transmissão e desvalorização diante da tecnologia e conhecimento biomédico.

Dados locais – Em Pernambuco, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, existem 871 parteiras atuando nas 11 áreas territoriais cobertas pelas suas gerências: 776 atuam na área rural, 56 na área urbana e 39 nas áreas rural e urbana. No Brasil, as milhares de parteiras cumprem um importante papel na promoção da saúde das mulheres e das crianças, principalmente nas comunidades rurais, ribeirinhas, indígenas e quilombolas. Inclusive porque, em geral, elas atuam em comunidades isoladas, onde os serviços públicos básicos (hospitais, delegacias, etc) são escassos.

Trabalho no Brasil – “No Brasil, anualmente, em média são realizados 41 mil partos domiciliares, desses a maioria é assistido por parteiras tradicionais. Mesmo sendo dados subnotificados ao Sistema de Informação à Saúde do Ministério da Saúde (DATASUS), os números nos dão a visão de que as parteiras tradicionais existem e que seus trabalhos deveriam estar dentre as preocupações de gestores e profissionais de saúde de todas as regiões, principalmente a região Norte, Centro Oeste e Nordeste. Além disso, o parto domiciliar assistido por parteira tradicional é um direito reprodutivo reconhecido por autoridades nacionais e internacionais de saúde, porém a existência no Estado Brasileiro de Marcos Legais e Políticos que respaldam e garantem a implantação de políticas públicas de inclusão do trabalho desenvolvido por parteiras tradicionais, não tem, no entanto, se revertido em mudanças significativas no trabalho e na qualidade de vida dessas mulheres guerreiras”, afirma Paula Viana, coordenadora do Programa Parteiras, do Grupo Curumim.

Trabalhando nos centros urbanos e no interior, estas mulheres são responsáveis pelo cuidado de centenas de gestantes, além de serem verdadeiras guardiãs de formas culturais tradicionais de conceber e de serem agentes para redução das mortes maternas. O desafio, no entanto, é garantir, minimamente, o reconhecimento da atividade e o direito a aposentadoria destas trabalhadoras. Atualmente, apesar de dedicarem toda uma vida ao partejar, não tem direitos trabalhistas nem sociais garantidos, mais um reflexo da desigualdade de gênero que atinge de forma mais intensa as mulheres pobres, indígenas e negras.

“As parteiras tradicionais são o elo entre a comunidade e os serviços de saúde. Em muitas localidades, onde não há médicos, são elas que tomam conta da saúde da população e, muitas vezes, fazem a articulação para levar as pessoas para os postos de saúde ou hospitais das cidades vizinhas”, destaca Paula Viana, enfermeira obstetra e coordenadora do Grupo Curumim.

DADOS – 1 em cada 4 mulheres relata maus tratos durante o parto na rede pública e privada(Perseu Abramo). – Segundo DataSUS, quase metade dos partos realizados no Brasil em 2008 foram cesáreos(1.419.745). 2 – Em Pernambuco, a realidade não difere do panorama nacional: quase metade dos partos foram cesáreas também (65.285). 3 – Em 2008, o DataSUS registrou 832 partos domiciliares em Pernambuco. No Brasil, foram 32.744 partos em casa. 4 – Entre 2000 e 2007 aumentaram os casos de nascidos via parto cesárea com baixo peso (menos de 2,5 kg). – Segundo dados da Secretaria de Saúde de Pernambuco, pelo menos 871 mulheres atuam como parteiras tradicionais. – Dos 185 municípios de Pernambuco, 71% (131) declararam ter parteiras em seu território.

Fonte: http://parteirastradicionais.wordpress.com/2012/05/03/valorizacao-das-parteiras-tradicionais-e-mote-de-campanha/

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sobre Parto Domiciliar

Após a entrevista com Gisele Bundchen, quando ela comentou o nascimento de seu filho em casa, a mídia passou a abordar o tema. Em resposta à matéria publicada no Guia do Bebê (http://guiadobebe.uol.com.br/parto/parto_em_casa.htm) , na qual se fala dos possíveis riscos do parto em casa, Dra. Melania Amorim redigiu o texto abaixo a partir da perspectiva da Medicina Baseada em Evidências Científicas:

"Li com atenção a interessante matéria do Guia do Bebê sobre Parto em Casa. Efetivamente, a recente notícia de que o parto da modelo Gisele Bundchen foi assistido nos Estados Unidos em sua própria residência, dentro da banheira, teve grande repercussão na mídia e despertou grande interesse em diversas mulheres, além de debate por diversas categorias profissionais.

Entretanto, mesmo bem preparada, a matéria peca por apresentar apenas o ponto de vista de uma única obstetra, sem considerar a visão de diversos outros profissionais que podem participar da assistência ao parto e, sobretudo, sem analisar a opinião das mulheres.

Como obstetra, pesquisadora e integrante do Movimento de Humanização do Parto no Brasil, não poderia deixar de contrapor a este ponto de vista, digamos, “oficial”, por refletir a opinião de grande parte dos médicos-obstetras em nosso País, considerações baseadas não em “achismos” ou receios, mas em evidências científicas.

O parto em casa, conquanto seja uma modalidade ainda pouco freqüente no Brasil, representa uma realidade dentro do modelo obstétrico de diversos outros países, como a Holanda, onde 40% dos partos são assistidos em domicílio, dentro do Sistema de Saúde. Mas vários outros países europeus e até os EUA contam com estatísticas confiáveis pertinentes aos partos atendidos em casa, e é impossível falar em RISCOS ou SEGURANÇA sem considerar os resultados dos diversos estudos já publicados sobre o tema.

Em 2005, chamou a atenção a publicação de um interessante estudo analisando os desfechos de partos domiciliares assistidos por parteiras na América do Norte: "Outcomes of planned home births with certified professional midwives: large prospective study in North America"[http://bmj.bmjjournals.com/cgi/content/full/330/7505/1416?ehom]. O estudo incluiu 5418 mulheres. A taxa de transferência para hospital foi de 12%, com uma taxa de cesariana de 8,3% em primíparas e 1,6% em multíparas.A frequência de intervenções foi muito baixa, correspondendo a 4,7% de analgesia peridural, 2,1% de episiotomias, 1% de fórceps, 0,6% de vácuo-extrações e uma taxa global de 3,7% de cesarianas. A taxa de mortalidade perinatal (intraparto e neonatal) foi de 1,7 por 1.000, semelhante à observada em partos de baixo risco atendidos em ambiente hospitalar. Não houve mortes maternas. O grau de satisfação foi elevado (97% das mães avaliadas se declararam muito satisfeitas). A conclusão deste estudo foi que os partos domiciliares assistidos por parteiras têm os mesmos resultados perinatais que os partos hospitalares de baixo risco, com uma frequência bem mais baixa de intervenções médicas. Entretanto, alguns críticos comentaram que o número de casos envolvidos seria insuficiente para determinar a segurança do parto domiciliar em termos de mortalidade materna e perinatal.

Seguiram-se vários outros estudos, publicados em diversas regiões do mundo, comparando a morbidade e a mortalidade tanto materna como perinatal entre partos domiciliares e hospitalares. A conclusão geral é que o parto domiciliar NÃO envolve mais riscos para mães e seus bebês, e cursa com vantagens diversas, relacionadas sobretudo à expressiva redução de intervenções e procedimentos. Partos assistidos em casa têm menor risco de episiotomia, de analgesia de parto, de uso de fórceps ou vácuo-extrator, de indicação de cesárea e a taxa de transferência hospitalar fica em torno de 12%. Destaca-se ainda o conforto e a satisfação das usuárias, que vivenciam uma experiência única e transformadora em seu próprio lar.

O estudo mais recente publicado no British Journal of Obstetrics and Gynecology (2009) analisou a morbimortalidade perinatal em uma impressionante coorte de 529.688 partos domiciliares ou hospitalares planejados em gestantes de baixo-risco: Perinatal mortality and morbidity in a nationwide cohort of 529,688 low-risk planned home and hospital births. [http://www3.interscience.wiley.com/journal/122323202/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0]. Nesse estudo, mais de 300.000 mulheres planejaram dar à luz em casa enquanto pouco mais de 160.000 tinham a intenção de dar à luz em hospital. Não houve diferenças significativas entre partos domiciliares e hospitalares planejados em relação ao risco de morte intraparto (0,69% VS. 1,37%), morte neonatal precoce (0,78% vs. 1,27% e admissão em unidade de cuidados intensivos (0,86% VS. 1,16%). O estudo conclui que um parto domiciliar planejado não aumenta os riscos de mortalidade perinatal e morbidade perinatal grave entre mulheres de baixo-risco, dese que o sistema de saúde facilite esta opção através da disponibilidade de parteiras treinadas e um bom sistema de referência e transporte.

Parteiras treinadas ou midwives, em diversos países, são aquelas profissionais que cursam em nível superior o curso de Obstetrícia e são treinadas para atender partos de baixo-risco e, ao mesmo tempo, desenvolvem habilidades específicas para identificar os casos de alto-risco, providenciar suporte básico de vida em emergências, tratar potenciais complicações e referenciar ao hospital, quando necessário.Essas profissionais, como a que atendeu Gisele Bundchen, estão aptas para prestar o atendimento à mãe durante todo o parto, bem como para assistir o bebê imediatamente após o nascimento e nas primeiras 24 horas de vida. Embora não haja necessidade de equipamentos sofisticados ou de UTI à porta da casa da parturiente, o material básico de reanimação neonatal é providenciado pelas parteiras certificadas. Parteiras também podem atender em hospital, de forma independente ou associadas com médicos.

Uma revisão sistemática recente encontra-se disponível na Biblioteca Cochrane com o título de “Midwife-led versus other models of care for childbearing women” [http://www.cochrane.org/reviews/en/ab004667.html]. Esta revisão demonstra que um modelo de cuidado com parteiras associa-se com vários benefícios para mães e bebês, sem efeitos adversos identificáveis. Os principais benefícios são redução de analgesia de parto, menor número de episiotomias e partos instrumentais, maior chance de a mulher ser atendida durante o parto por uma parteira já conhecida, maior sensação de manter o controle durante o trabalho de parto, maior chance de ter um parto vaginal espontâneo e de iniciar o aleitamento materno. A revisão conclui que se deveria oferecer à maioria das mulheres (gestantes de baixo-risco) a opção de ter gravidez e parto assistidos por parteiras.

Em resumo, as evidências científicas disponíveis corroboram a segurança e os efeitos benéficos do parto domiciliar. Apenas criticar e apontar possíveis complicações, sem comprovar as críticas com evidências bem documentadas, publicadas em revistas de forte impacto, não pode ser mais aceito em um momento da história em que os cuidados de saúde devem se respaldar não apenas na opinião do profissional mas, ao contrário, devem se embasar em evidências científicas sólidas. Este é o preceito básico do que se convencionou chamar de “Saúde Baseada em Evidências”, correspondendo à integração da experiência clínica individual com as melhores evidências correntemente disponíveis e com as características e expectativas dos pacientes”. Embora iniciado na Medicina (“Medicina Baseada em Evidências”) esse novo paradigma estende-se a todas as áreas e sub-áreas da Saúde."

Melania Amorim, MD, PhD

Médica formada pela UFPB
Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo IMIP
Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO
Mestre em Saúde Materno-Infantil pelo IMIP
Doutora em Tocoginecologia pela UNICAMP
Pós-doutora em Tocoginecologia pela UNICAMP
Pós-doutora em Saúde Reprodutiva pela OMS
Professora de Ginecologia e Obstetrícia da UFCG
Professora da Pós-Graduação em Saúde Materno-Infantil do IMIP
Colaboradora da OMS e revisora da Biblioteca Cochrane

Publicado primeiramente em http://buenaleche-buenaleche.blogspot.com/2010/02/palavras-de-uma-dra-que-atualiza-se.html